7 de novembro de 2009

Werckmeister Harmóniák (2000)

Um filme de Béla Tarr










Actualmente, não há cineasta no mundo que se compare a Béla Tarr. Sendo muito relativo, na minha opinião é certamente o melhor cineasta em actividade. E hoje lembrei-me de rever “Werckmeister Harmóniák”, talvez depois de “Sátántangó” o melhor filme do húngaro. E as semelhanças entre estas duas obras de que falo são deveras abundantes. Não falo na arte de filmar de Tarr, pois essa está presente em todas as suas obras. Falo sim da moralidade da película, do tema das duas obras. E se em “Sátántangó” Tarr explorava o caos, a desolação humana, o delírio, o falso messias; aqui ele volta a explorar isso tudo. E, talvez, “Werckmeister Harmóniák” seja mais cruel que “Sátántangó”, talvez (é mesmo) seja mais violento que “Sátántangó”. Porque aqui procura levar o caos ao limite, procura aproximá-lo do ambiente apocalíptico, procura sobretudo levá-lo ao meio revolucionário e reaccionário em que aquela população se insere.
Há aqui toda uma procura dessa ambiguidade moral, uma exploração do comportamento humano face a situações-limite (foi aqui que Sant foi buscar o tema de “Gerry”). Tarr volta a reincidir na questão do falso messias, o príncipe que vem, juntamente com a gigantesca baleia, como atracção do circo. Príncipe esse que nem sequer o vemos. Mas “Werckmeister Harmóniák” é um filme alegórico, mais que qualquer outro de Tarr. A par de “Sátántangó”, “Werckmeister Harmóniák” possui um ambiente caótico, apocalíptico que transcende a simplicidade do argumento (sem falar na mise-en-scène, na música, no minimalismo do húngaro, na contemplação e no naturalismo presentes em todas as suas obras que já referi inúmeras vezes pelo meu tasco fora). E Tarr cria sobretudo, à imagem de “Sátántangó”, um filme utópico, caótico.
Que dizer mais? Haveria muito mais para dizer de “Werckmeister Harmóniák”, mas uma palavra resume tudo, OBRA-PRIMA.

14 comentários:

LN disse...

Nah. O maior é o Guy Maddin. E ainda coloco mais alguns à frente do Tarr, mas é, sem dúvida alguma, um dos melhores criadores na última vintena.

Unknown disse...

Subscrevo as palavras. Béla Tarr é o melhor cineasta vivo em actividade. Já o Guy Maddin nada tem a ver com a estética de Tarr, mas também gosto muito do realizador canadiano.

LN disse...

Victor, ninguém disse que tinha. O "objecto" discutido, ou lançado, é de quem poderá ser o melhor cineasta actual. Na minha opinião e gosto pessoal (como é óbvio), acho o Maddin mais urgente, de maior importância para o que deve ser o cinema enquanto ARTE hoje, com uma substância plástica, SEMÂNTICA, única - assim como é o cinema de Tarr, mas de um outro ângulo, bem diferente, no plano estético. Quanto à temática e semântica, o que não faltam são cineastas ao nível do Tarr, enquanto que ao nível do Maddin... isso é outra estória, que muitos nem sequer ousam inventar: é preciso muita capacidade artística e espírito verdadeiro.

Álvaro Martins disse...

Pois LN, estamos mesmo em desacordo. Para mim Béla Tarr é mesmo o melhor. E não considero Guy Maddin assim tão bom. Mas são opiniões.

LN disse...

O que conheces de Maddin Álvaro?

Unknown disse...

Claro que são dois cineastas que estão estetitcamente nos antípodas. E também concordo que o trabalho de Maddin seja absolutamente único no panorama cinematográfico actual, não conheço mais ninguém a fazer o que ele faz. Já o Tarr tem "descendência"...

Já agora, caso não tenham lido, há tempos escrevi sobre o trabalho de Guy Maddin - http://ohomemquesabiademasiado.blogspot.com/2008/11/esttica-retro-futurista-de-guy-maddin.html

LN disse...

Exactamente Victor. Mas quase que nem é isso... O Maddin, para além de ser O mais singular cineasta contemporâneo (e de extrema preciosidade no que toca a arte de vanguarda, desde que existe cinema na estética - anos 10/20...), tem uma visão urgente, sabe o que deve ser a arte de hoje. Não é só «fazer o que ele faz». Trata-se do conteúdo, da visão, do Maddin tratar os símbolos por Tu, que é riquissimo. Mas não vamos estar aqui com análises formais, não é o espaço indicado.

O Tarr embala-se nas epócas... coisa que por aí existe ao monte. Tem mérito no aspecto formal/técnico. Só, na minha opinião.

Álvaro Martins disse...

LN, conheço algumas curtas de Maddin e o mais conhecido The Saddest Music in the World.
Mas vamos por partes, talvez me tenha expressado mal. Dou-lhe todo o mérito a Maddin, reconhecido e com o justo valor. É único na actualidade, também não conheço outro. Mas o problema está no experimentalismo, naquilo que tu falas, na estética, semântica e na substância plástica. Nunca fui dado a artes mais eruditas como a pintura, a escultura ou as artes plásticas. Aí considero-me um leigo porque não me atrai, nunca procurei aprofundar os meus conhecimentos quanto a isso. E o cinema de Maddin envereda muito por essa veia artística, por essa fusão de imagens entre a linguagem cinematográfica e a linguagem plástica. É singular sim senhor. É um grande cineasta não há dúvidas mas para mim é um cinema muito experimentalista, demasiadamente cuidado relativamente à estética embora muito aproximado do expressionismo.

LN disse...

Ok. :)
Não há problema nenhum em não encarares (ou encantares...) com a arte vanguardista. Seja musical, cinematográfica, «plástica» ou literária.

Gosto do Saddest, mas ainda prefiro outros... dizia-te para veres o último dele, o My Winnipeg, que é uma espécie de documentário pessoal do Maddin sobre Winnipeg, a sua infância, família, etc... mas já sabes, é tudo ao estilo Maddin... absurdamente bom. No My Winnipeg existem relações muito íntimas com o meu preferido dele, o Coward Bend The Knee or The Blue Hands. Retirando isso, é um Maddin domesticado. O filme mais usual dentro de toda a neuroticidade (embora o gajo não largue a líbido...) do universo Maddin.
É, o cinema de Maddin recolhe muito do expressionismo alemão (as sombras de Murnau), do cinema mudo, da Internacional Situacionista, e de todos os que contribuiram para matar Deus no séc XX.

Só acho que não pensaste bem quando escreves «demasiado cuidado relativamente à estética». Se há cinema livre, é Maddin. Todo o verdadeiro pressuposto, teórico, da modernidade, é ser livre, Pesquisar, Experimentar. É o que o Maddin faz: fragmenta, enche a tela com estes símbolos tão bonitos [?], destroça totalmente qualquer ideia concebida do que é cinema, numa visão única (ali pelos laivos do absurdo/patafísica, do surrealismo, mistério, contra-dogma, aliás, diverte-se a desmontá-los), num estilo ímpar. Não há imagens higiénicas, pseudo-qualquer-coisa (geralmente é a moral...), e o Maddin é energicamente alérgico à palavra «público», ou «comercial».

Houvessem muitos como ele...

Álvaro Martins disse...

Talvez tenha exagerado no demasiado cuidado relativamente à estética, como te disse conheço pouco do seu trabalho (e embora não me "agrade", ou melhor, não me atraia, vou tentar ver mais obras dele, isso é certo, e tentar perceber melhor ou "ganhar" algum gosto) mas do que conheço dele não me atrai muito. Mas a "veia" do expressionismo alemão e também do soviético que Maddin vai buscar é sem dúvida o que me faz dar o braço a torcer.
Mas relativamente à questão que iniciou esta saudável discussão (e acredita que me agradam bastante estas discussões contigo) Tarr está no topo da minha cinéfilia actual porque é sem dúvida o melhor cineasta a filmar, a contar uma história (por mais simples que seja), a saber exteriorizar para o ecrã as emoções, a intensidade dos momentos, o minimalismo quer físico quer psicológico, o ambiente naturalista e contemplativo que lembra Tarkovsky....
Maddin é diferente, muito :)
Mas é relativa a definição de melhor cineasta.

LN disse...

Claro que sim, que é relativo «o melhor cineasta de hoje», a menos que seja um teenager que teime comigo que o Slumdog Millionaire e Danny Boyle é que é porque ganhou os OSCARS. Pronto. haha. Agora... quando estamos a falar de cinema deste nível, o clima é diferente - estão todos no topo, não devem nada ao mundo nem à sociedade do espectáculo. Ter fãs ou não é indiferente, só a inquietação que nos move é real... Eis a arte/artista verdadeiro.

Experimenta então o My Winnipeg, depois diz o que achaste. ;) Mas que fique claro: a linha de montagem é igual, mas em retrato psicótico brando. O filme é narrado em voz-off, tem alguns diálogos também... é diferente do habitual filme mudo dele. O princípio da carreira dele é só para os fãs hardcore, como eu.

E já que falamos de grandes cineastas de hoje, conheces Andrei Zvyagintsev?
http://www.imdb.com/title/tt0376968/
É o The Return (título inglês), muito bem criticado, levou uma porrada de prémios em festivais-centro... e o seguinte dele, que fez parte da selecção de Cannes, o Izgnanie.
Tenho-o aqui há já um tempo, ainda só o vi na diagonal, mas pareceu-me muito bom - pelo menos ao nível técnico, já que a poética narrativa deste realizador ainda não conheço. Tenho de arranjar tempo para o ver.

Álvaro Martins disse...

Exactamente LN, estes são os artistas verdadeiros.
Quanto ao My Winnipeg vou tentar arranjar (penso que não seja difícil) e tentar ver. Depois digo algo.
Relativamente a Andrei Zvyagintsev estou a zero. Não conhecia mas intrigou-me. Já vi que apenas realizou dois filmes e 1 episódio de, supostamente, uma série. Portanto, estamos a falar de um talento emergente não é assim? Mas digo-te já que também vou tentar arranjar e conhecer.

LN disse...

Sim, tem 45 anos, mas, ou e, ainda é curta a carreira. E o The Return, visto só de forma oblíqua, abre logo o apetite. Sabes aquela sensação que tens, logo no primeiro segundo, quando estás perante um dos grandes? Não há volta: «este vai ficar...».
Foi assim que senti, e raramente me engano, quando estou frente a um bom filme, álbum, livro, bla.

O Maddin, em DVD, só existe o Saddest, pela Midas. Mas encontras o My Winnipeg facilmente, até é o mais concorrido, porque Maddin tem chegado a mais pessoas - através de artigos da Time e outras revistas (fora e dentro do cinema como tema específico), exposições em galerias da obra, etc...

Flávio Gonçalves disse...

Álvaro, acabo agora de ver este Werckmeister harmóniák e estou sinceramente abismado. É uma gigante obra-prima, única como nenhuma outra. Tenho ainda muita coisa que pensar sobre ela, mas fica já a certeza de que quero muito revê-la de novo...