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31 de maio de 2011


Le Lit de la Vierge (1969)
Philippe Garrel

Le Lit de la Vierge é, antes de mais, o completo antagónico quer de Les amants réguliers quer de La frontiere de l'aube, é coisa tão arcaica, tão experimentalista, hipnótica, alucinante, tão perto de Pasolini ou de Straub, objecto de influência a tanto Lynch (Ereserhead à cabeça), Cronenberg na fase do Stereo. Há tanto onirismo ali, tanta pressão na desmitificação do mito, tanta preocupação no raccord, na teatralidade das acções, dos movimentos, tanta moral atrás daquilo tudo. Le Lit de la Vierge é um filme sombrio, negro, um autêntico pesadelo psicadélico ou coisa assim, é tudo desmesuradamente enigmático, simbólico, hiper-melancólico, mordaz, coisa obcecada pela representação, pela veracidade da representação, sei lá, peculiar mas belo, muito belo. Filme de planos, de mestre a filmar, completamente de mestre, incrivelmente atraente, duma beleza ímpar, com movimentos de câmara brutais, o enquadramento, o ritmo, o tempo dos planos e das acções, os planos e a paisagem, a profundidade de campo, está lá tudo nesta obra-prima. É entrar no mundo de Garrel, naquele mundo alegórico, descrente, erosivo, brutal mas ao mesmo tempo tão lírico. Le Lit de la Vierge mais que bíblico é apocalíptico, brutalmente apocalíptico, é no fim de contas a constatação de que o ser humano é feio, é cruel, é uma condenação, um julgamento, sei lá…acima de tudo um lamento.
I believe my point of view on the Christian myth is quite clear in The Virgin’s Bed. It is a non-violent parable in which Zouzou incarnates both Mary and Mary Magdalene while Pierre Clémenti incarnates a discouraged Christ who throws down his arms in face of world cruelty. In spite of its allegorical nature, the film contains a denunciation of the police repression of 1968, which was generally well understood by viewers at the time.
Philippe Garrel

Philippe Garrel provides himself with a genuine liturgy of bodies, he restores them to a secret ceremony whose only characters are Mary, Joseph and the Child. This is hardly a pious cinema, even though it is a cinema of revelation. If the ceremony is secret, it is precisely because Garrel takes the three characters 'before' the legend, before they have made a legend or constituted a holy story : the question posed by Godard "What did Joseph and Mary say to each other before having the baby ?", not only heralds a project of Godard's but sums up Garrel's experiences. The theatrical hieratism of characters, noticeable in his first films, is uncreasingly focused on a physics of fundamental bodies. What Garrel expresses in cinema is the problem of the three bodies: the man, the woman and the child. The holy story as gesture.
Gilles Deleuze

28 de maio de 2011

La frontiere de l'aube (2008)
Philippe Garrel

Só o termos novamente como protagonista Louis Garrel, filho do cineasta, aparência dividida entre o intelectual e o libertino, individuo à procura do seu lugar no mundo, o que fazer com a vida e coisa e tal; só isso nos faz lembrar Les amants réguliers (que embora venha desmitificar algo continua a ser um objecto fresco e sedutor). La frontiere de l'aube é melhor, brinca com a mente, coisa obsessiva, melancólica, brutal, física, negra, trágica, física com a câmara com o espaço, afinidades realistas ou hiper-realistas.

História do amor não de amor, erros e lamentações, arrependimentos e consciencializações, psicologismos. É isto, mais não seja porque acima de qualquer destas coisas está o ser humano e as suas decisões, escolhas, sonhos, desilusões, amores… é tudo o que o Homem é, os seus medos, os seus fantasmas, as suas instabilidades emocionais, as consequências da acção humana, as descobertas sentimentais e emocionais, o amor. É tudo tão forçosamente psicológico, emocional, brutal e desprovido de quaisquer maneirismos e facilitismos. Tragédia da vulnerabilidade. É a força do plano e do seu enquadramento, do campo/contra-campo e do raccord, da mise-en-scène e da beleza do preto e branco de Garrel (a cinematografia de William Lubtchansky sobretudo).

15 de maio de 2011

Les amants réguliers (2005)
Philippe Garrel

Les amants réguliers é coisa de megalómano sem rumo, talvez um furioso em desavença com o passado ou na amargura do presente, não sei, Garrel parece querer desacreditar toda a mística e todo o prestígio do movimento estudantil do Maio de 68, mete-los nas antípodas, faz um filme lento e lento e lento sem que nos leve a algum lado, a alguma ilação que não seja a que tiramos ao fim de pouco mais de meia-hora de filme, arrasta-se e volta-se a arrastar como se não houvesse amanhã, esforça-se por denegrir a imagem do mítico mês e ano revolucionário, resume tudo (ou aquele tudo que parece ser auto-biográfico) numa questão burguesa de obstinações artísticas e amorosas/sexuais que se mergulham num mar de drogas (ópio acima de tudo) em detrimento do espírito revolucionário e intelectual que identifica a revolução estudantil. Banaliza, desmitifica, desvaloriza tudo, toda uma geração – a sua geração – coisa de rebelde infantilizado, chega à conclusão de que afinal o amor é mais importante que os ideais e acima dessas duas está o dinheiro, o sucesso, a carreira profissional, o futuro, é isso que Garrel nos diz, que aquilo tudo eram balelas, todos os ideais, que no final somos todos materialistas, vendidos, cheios de ideais falsos ou efémeros, opacos, coisas que se banalizam ao primeiro contacto com o capitalismo, com o poder da burguesia essa praga social que controla o mundo. É isso que Garrel faz, desvirtua tudo numa fotografia a preto e branco estilizada, foge a qualquer subversão ou sublevação jovial, imerge na letargia daquela geração, etc…