1965, A Falecida, Leon Hirszman
A Falecida do Hirszman é daquelas coisas tão pungentes que perduram na memória durante vários dias. Realismo feérico que atinge a monumentalidade na simbologia e no misticismo do intrínseco em si, poderoso artificio sobre a vontade humana e o anseio da remissão da culpa, emaranhamento total da fantasmagoria com o real, a morte como companheira ou, mais ainda, como desejo subversivo de expiação do pecado, veículo irracional de vingança imbuído numa motivação surreal e mórbida do absurdo, coisa obsessiva que da matéria alcança o espírito, ou a alma.
Fernanda Montenegro encarna a carne (ou essa matéria) que vai sendo contaminada pelo espírito, a transfiguração da alma, a exteriorização do interior ou da doença que começa na alma… alma que é assolada pela culpa do pecado - a mácula do adultério - e das amarras dum casamento que não a preenche… mais que a moralidade que reina naquele subúrbio é a falta dela (e a procura dela) em si mesma que lhe traz essa insatisfação e essa vontade de morrer. Momento catarse aquele em que Zulmira abraça a chuva como veículo libertador da sua condição, momento também profético ou sacral em que a alma parece libertar-se do corpo/condição e “saborear” a libertação da morte/desencarne, coisa sublime que só ela bastaria para colocar A Falecida no panteão das grandes obras do cinema brasileiro.
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