Um filme de Cristian Mungiu
Bom, muito bom mesmo. Qualquer coisa de assombroso, fenomenal. Há muito tempo que não via um filme tão forte, tão bem conseguido. “4 Meses, 3 Semanas e 2 Dias” conta-nos a história de um dia. Um dia para esquecer na mente de duas amigas. O tema? O aborto. Mas além disso, Mungiu revela-se-nos moralista, preocupado com a câmara e o ambiente que cria. E é aí que o filme se enaltece. É na revelação de uma amizade que se prova ser verdadeira, que chega ao limite e supera-o. E nesse caso, Anamaria Marinca no papel de Otilia é completamente brilhante.
Mas “4 Meses, 3 Semanas e 2 Dias” deixou-me maravilhado pela sua simplicidade narrativa, pelo seu poder de criar um ambiente claustrofóbico numas ruas negras e sombrias que estão em perfeita sintonia com o que se passa dentro do quarto do hotel onde Gabriela (Laura Vasiliu) faz o aborto. E embora essa simplicidade narrativa seja visível, há no entanto que salientar que Mungiu envereda por um cinema minimalista, onde dá importância a pormenores interessantíssimos para o desenvolvimento da fita. O aborto é sem dúvida o tema principal, aquele do qual Mungiu parte para explorar valores morais como a amizade, posições éticas como neste caso o anti-aborto e toda uma vertente sociopolítica que o cineasta desenvolve nas mais variadas situações. A partir de que as duas amigas se encontram no quarto do hotel com o homem que irá fazer o aborto, Mungiu revela-se contra a interrupção voluntária da gravidez ao, por diversas vezes, frisar que Gabriela é a grande culpada pela situação. Foi ela que engravidou e é ela que tem sistematicamente um comportamento irresponsável que cria toda a situação limite que vai por à prova a amizade de Otilia. E se outro cineasta qualquer veria neste argumento uma oportunidade para fazer de Gabriela uma mártir, uma coitadinha que está a sofrer embora tenha errado, o romeno prefere inverter os papéis. É aqui que narrativamente o filme surpreende. Porque na verdade a grande mártir do filme é Otilia, é ela que vai fazer de tudo para ajudar a amiga. E a cena em casa do namorado onde decorrem os anos da mãe deste, essa cena é completamente perturbante pela capacidade tanto do cineasta como da actriz de criarem um ambiente claustrofóbico, pesado e onde é visível a preocupação de Otilia por ter deixado a amiga sozinha. Mas o cineasta romeno explora ainda um factor sociopolítico, o regime soviético. E denuncia o comércio clandestino que até na residência do politécnico existe. A entrada no quarto do hotel tem que ser constantemente autorizada após a entrega do BI querendo assim o romeno mostrar-nos a rigorosa vigilância que existia.
E algo que me deixou espantado mas que surpreendentemente não me fez falta nenhuma foi a ausência de uma banda sonora. Porque todos os silêncios que o filme tem onde a tensão derivada da situação e o ambiente claustrofóbico e sombrio que Mungiu cria são suficientes para nos deixar presos ao ecrã. E o fim do filme, o olhar de Otilia e a surpreendente naturalidade de Gabriela desarmaram-me por completo.
3 comentários:
Olá, tbm adorei esse filme, muito bom, concordo com o seu comentário, o diretor realizou um excelente trabalho sobre um tema tão difícil e polêmico q é o aborto, ótimo filme msm!
Ah, sou novo aqui, fiquei sabendo do seu blog em outros q participo!
Indiquei no meu!
Me visite quando puder: http://www.cinedewonny.blogspot.com
Abs! Diego!
Gostei imenso deste filme, especialmente da forma como fura as expectativas no fim, podia dramatizar em demasia com a morte da amiga, por exemplo, mas o filme é mais maturo que isso, só as põe a jantar num restaurante no fim, é mesmo isso que dizes de não fazer da Gabriela uma mártir. Esta teve a sorte de lhe ter corrido bem. Mas e todas as outras que não tinhas amigas, a quem calhou um abortadeiro incompetente, que morreram com o procedimento? O filme é incrivelmente visceral e real e dá imenso que pensar. Por isso, não sei se o filme apoia ou se é contra o aborto (mas percebo totalmente porque achas que é contra), mas certamente que põe o assunto na cabeça de qualquer pessoa!
Grandes imagens, como sempre, grandes enquadramentos.
É isso mesmo que tu disseste, visceral, mas duma visceralidade mais psicológica e não tanto visual. E real, muito real.
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