“Rocco e i Suoi Fratelli” insere-se na vertente do neo-realismo italiano cinematográfico, já desenvolvido pelo cineasta em obras como “Ossessione” de 1943, “La Terra Trema” de 1950 e “Bellissima” de 1951. Luchino Visconti juntava-se assim a nomes como Vittorio De Sica, Roberto Rossellini (considerado o pai do neo-realismo), Federico Fellini, Pier Paolo Pasolini e Giuseppe De Santis (este último em conjunto com Visconti fazia parte da tendência marxista) neste movimento da vanguarda do cinema italiano.
O filme conta a história de uma família oriunda de Lucania, que chega à grande cidade de Milão depois da morte do patriarca Antonio Parondi.
Aqui, em Milão, vivia já o primogénito da família, Vincenzo (Spiros Focás), que estava noivo da namorada Ginetta (Claudia Cardinale). Num pós-guerra difícil, Vincenzo depara-se com a árdua tarefa de encontrar um tecto para a família e trabalho para os irmãos, Simone (Renato Salvatori), Rocco (Alain Delon), Ciro (Max Cartier) e Luca (Rocco Vidolazzi), este último ainda criança.
Visconti conta-nos a história dos cinco irmãos por ordem decrescente, começando com Vincenzo e acabando com Luca. Todos estão interligados, o filme trata do desmoronamento de uma família, da decadência de um Simone magistralmente interpretado por Renato Salvatori e de como o amor obsessivo pode mudar uma pessoa. O cineasta italiano atinge com esta obra, na minha opinião, um dos expoentes máximos do neo-realismo a par daquela que foi o marco inicial deste movimento cinematográfico no pós-guerra italiano, a obra de Roberto Rossellini “Roma Città Aperta” (Roma Cidade Aberta) de 1945 e das duas obras-primas de Vittorio De Sica “Ladri Di Bicicletta” (Ladrões de Bicicletas) de 1948 e “Umberto D” de 1952.
Simone e Rocco são as personagens centrais da obra. Dos cinco irmãos, é o rumo destes dois que nos prende ao ecrã. Vincenzo é aqui apresentado como o irmão consciente, que gosta da família mas que quer casar e ter filhos de Ginetta. A história desenvolve-se e complexa-se com Simone. Este torna-se lutador de boxe e rapidamente fica famoso, mas, antes disso é Vincenzo quem encontra a mulher que vai causar toda a destruição entre Simone e Rocco, Nadia (Annie Girardot). Nadia é uma prostituta que vive com o pai no andar de cima de onde a família Parondi reside. É neste momento, em que Vicenzo a convida para casa e a apresenta à mãe e aos irmãos, que Simone e Rocco têm o primeiro contacto com a bela Nadia. A partir daqui, Visconti desenvolve o tema fulcral desta obra-prima, a obsessão. Simone é retratado como um homem que se vai arruinando com a sua obsessão por Nadia e os seus consequentes vícios como o tabaco, o álcool e o jogo. Já Rocco é o oposto de Simone. Rocco, interpretado brilhantemente por um jovem Alain Delon, é-nos apresentado como um “santo”, um homem bom que ama a família e que por sua vontade nunca teria saído de Lucania, a sua terra. No final, existe um diálogo de Ciro com Luca que nos faz a definição completa de Rocco e de Simone e de toda a história do filme. Ciro desabafa com Luca e diz:
“Ninguém amou tanto o Simone quanto eu! Quando chegamos em Milão, eu era um pouco mais velho que tu… e Simone explicava-me as coisas que eu não conseguia entender. Dizia que na nossa terra todos viviam como animais. Só conheciam a fome e a servidão. Que ninguém deve ser escravo do outro…e não se esquecer do seu dever. Mas Simone esqueceu-se disso…e por isso teve esse fim terrível. Arruinou-se e trouxe-nos a vergonha. Ele causou muita dor ao Rocco, e a ti, Luca, que és o menor de todos. Simone era bom, mas meteu-se com más companhias. E o Rocco está errado em ser tão bom e generoso. Ele é um santo. Mas o mundo não é assim. Ele não se defende. Ele perdoa tudo a todos e nem sempre isso está certo!”
Neste desabafo final de Ciro, talvez o mais responsável mas o menos sentimentalista (pelo menos a demonstrá-lo, pois neste diálogo final ele mostra-nos que as suas acções são tomadas com base na racionalização e não no amor fraterno, o que não invalida que ele não o tenha), Visconti faz aqui uma retrospectiva das suas personagens e tenta resumir num desabafo a razão de todo aquele abismo em que Simone cai e arrasta a sua família, principalmente Rocco que é aquele que é mais magoado por ele mas que está sempre pronto a ajudá-lo.
Rocco define-se num curto diálogo, o mais profundo desta obra dito por si mesmo:
“ – Lembras-te Vince? O pedreiro, quando começa a construir uma casa nova, atira uma pedra na sombra da primeira pessoa que passa.
– Porquê? (pergunta Luca)
– Porque ele oferece um sacrifício, para que a sua casa se torne sólida.”
Visconti quis mostrar a personalidade de Rocco com este diálogo, quis mostrar o porque de Rocco ser tão bom e generoso, o porque das suas acções altruístas para com Simone. O sacrifício de que fala, ele fá-lo quando abdica de Nadia por causa de Simone, fá-lo quando se condena ao boxe (embora não gostasse do desporto) para pagar a divida do irmão. Nesta frase se define o pensamento de Rocco e o que o faz ter aquela conduta para com o irmão. Amor fraterno, sacrifício, esperança de que a razão ainda pudesse vencer a cabeça de Simone.
Assim era Rocco, conformista, generoso, altruísta, bondoso e ingénuo.
Visconti traz-nos com este “Rocco e i suoi Fratelli” uma obra-prima dum neo-realismo mais humano, menos sociopolítico e, digamos, mais preocupado com os problemas emocionais e pessoais dum indivíduo, libertando-se assim da estética antifascista que definia todo a corrente cinematográfica neo-realista e que está bem latente em “La Terra Trema” de 1950. Mas Visconti não foi o primeiro a mudar essa estética do neo-realismo, bem pelo contrário, Rossellini já tinha adoptado essa mudança de visão da corrente realista italiana com “Stromboli” e “Terra Di Dio” ambos de 1949, seguido de “La Strada” de Fellini do ano de 1954.
Imperdível, controverso, com interpretações fabulosas de Alain Delon, Renato Salvatori, Annie Girardot e Katina Paxinou no papel da mãe, assim é “Rocco e i Suoi Fratelli”. A realização, essa, é esplêndida como em qualquer obra de Visconti.