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11 de setembro de 2010

Der Amerikanische Soldat (1970)













O que me pareceu que Fassbinder quis fazer aqui foi uma sátira ao film noir americano. Sim, porque além do título do filme, tudo alude a Hollywood ridicularizando-a. Porque além das personagens agirem como os gangsters e detectives americanos, as mulheres são tratadas repugnantemente como objectos. Porque, acima de tudo, o que está aqui em questão é a banalização de um homicídio. E não é à toa que Fuller e Walsh são nomes de personagens do filme (além de Murnau, Lang, Rosa von Praunheim e um poster do Clark Gable que só acentuam uma hipotética homenagem ao cinema).

22 de julho de 2010

Berlin Alexanderplatz (1980)










Há um ceifeiro, cujo nome é Morte. E chega sobre machados e facas, a tocar uma pequena flauta. Então abre largamente as suas mandíbulas e retira a sua trombeta. Tocará a trombeta? Tocará o tambor? O terrível aríete negro virá?


Berlin Alexanderplatz é uma das maiores (em todos os sentidos) obras-primas que o cinema já deu ao mundo. Por tudo, mas, sobretudo pela virtuosíssima mise-en-scène de Fassbinder, pelos brilhantes e geniais movimentos de câmara do alemão. Não só aqui como em toda a sua obra, Rainer Werner Fassbinder foi um perfeccionista na arte de filmar, de mover a câmara, de captar o momento e os seus movimentos, a relação entre a matéria e o espaço. Berlin Alexanderplatz é perfeito nesse sentido e exímio nas sombras e na luz que concedem todo o tom obscuro e negro ao filme. É uma obra grandiosa e eloquente.

Apresentada em treze episódios e um epílogo (quase 16 horas), Berlin Alexanderplatz afigura-se como uma odisseia político-social de uma Alemanha pós-primeira Guerra Mundial e em ascensão nazi. Centra-se em Franz Biberkopf (Gunther Lamprecht numa interpretação magistral) e na sua história desde que sai da prisão até que decai num caos mental após o assassinato de Mieze (a amante/prostituta). Franz movimenta-se num meio decadente, espelho da crise económica e social que a Alemanha dos anos vinte vivia. Berlin Alexanderplatz é sobretudo uma obra muito simbólica e metafórica. Tudo alude à pátria, tudo aponta para a origem do nazismo. E a história de Franz (Berlin Alexanderplatz a obra literária de Alfred Döblin) é, acima de tudo, palco para a verdadeira história, a do pós-guerra alemão, a das feridas socioeconómicas que resultaram da primeira grande guerra, a da sobrevivência do povo alemão que, ignorantemente, se dirigia para o abismo do nazismo.

Berlin Alexanderplatz acarreta, desde o seu início até ao seu fim, a morte como companheira de Franz. Inicialmente, e até Mieze aparecer (embora Franz se movimente dia e noite naquele ambiente do submundo criminoso resultante dessa depressão económica), existe acima de tudo um sentimento de redenção em Franz. Os quatro anos passados na cadeia (por matar Ida, a sua amante) a isso reclamam. Mas, essa redenção cada vez mais se distancia devido ao seu envolvimento naquele meio obscuro e marginal onde se insere vertiginosamente. Franz insiste em manter casos com prostitutas, envolve-se com criminosos e embebeda-se sistematicamente. Na verdade, a história de Franz é um conto de aprendizagem, uma lição de vida dum homem simples que só depois da tragédia conseguiu compreender o ser humano. Aliás, Franz é um ser apático, desmesuradamente benevolente, chega a ser patético. Mas tudo isso resulta da sua intenção na redenção. Por isso a morte de Ida acompanha sempre Franz, por isso a culpa está sempre presente. É esse sentimento de culpa, de arrependimento, que acarreta um sentido exacerbado de redenção, sentido esse que resulta nessa apatia e nessa complacência que Franz demonstra para com as pessoas que se cruzam consigo nessa etapa da sua vida. E o epílogo, com todo aquele teor psicológico e metafórico (o caos mental que resulta num “novo” Franz), é dos desfechos mais brilhantes e mais desconcertantes que já vi em cinema.

Berlin Alexanderplatz é uma obra-prima irrefutável, o retracto de um país em luta pela sobrevivência, a história de um homem simples que desejou recomeçar, tornar-se um homem novo. Berlin Alexanderplatz é uma obra assombrosa, magnífica, imponente, monumental. Um marco na história do cinema, um golpe de génio desse nome maior do cinema alemão, Rainer Werner Fassbinder.

29 de junho de 2010

Chinesisches Roulette (1976)

































Vincent Canby do New York Times escreveu assim "The film is still very much about one of the principal Fassbinder concerns — power — here demonstrated in the hold exercised by a tyrannical teenage girl, whose legs are paralyzed, over her self-absorbed but essentially innocent parents. The concern with power is there all right, but even more apparent, intentionally so, is the film's style, which is camp lyricism of such density it becomes a lethal weapon."

Vincent Canby não podia estar mais certo em relação a Chinesisches Roulette. O poder é, realmente, a grande preocupação de Fassbinder não só em Chinesisches Roulette como em quase toda a sua obra. E, como disse Canby, esse poder manifesta-se em Angela, essa adolescente diabólica e revoltada que apesar de se sentir oprimida pelos pais (legitimamente pois a mãe tem a convicção de que a filha lhe arruinou a vida), assume aqui também ela um papel de opressora (a tal "tyrannical teenage girl" que Canby fala) na sua relação, principalmente, com a mãe. Mas parece-me que o crítico do New York Times se esqueceu de atribuir aos pais esse poder de que fala. Porque toda a relação que assumem entre eles é esclarecedora disso. A relação extra-conjugal que os dois assumem já há anos (a do pai desde o acidente de Angela e a da mãe terá iniciado um par de anos mais tarde) são o reflexo desse poder efémero de quem quer compensar a amargura e o desgosto de ter uma filha semi-paralítica.

Mas Canby tem ainda mais razão quando diz que, a força de Chinesisches Roulette está mais latente no estilo do filme (que é como quem diz na realização). E, de facto, a forma como Fassbinder movimenta a câmara em torno daquelas personagens é fenomenal. O rodopio, o enquadramento, o aproximar/distanciar da câmara, a fixação nos rostos ou nos olhos daquelas personagens e o ritmo com que filma são a grande força de Chinesisches Roulette. Porque, com esta mise-en-scène, Fassbinder está sempre à procura de captar as emoções daquela gente, querendo mostrar as suas reacções àquele episódio e, sobretudo, a forma como Angela manipula os pais.

Chinesisches Roulette apresenta-se como uma tragicomédia (sarcástica) filmada de forma inaudita. Grande filme.