17 de julho de 2012


O sonho do herói

“The Iron Horse”, que no fundo lá bem no fundo de si é um filme de amor, mais do que aquele amor entre Davy e Miriam que nasce ainda na infância e resiste ao tempo e à distância e ao esquecimento é o amor pela nação, pelo progresso, pelos justos, pela memória e pelos sonhos do pai de Davy, sonhador assassinado naquela serena e cândida noite invadida pela intempestiva e impetuosa aparição daqueles índios comandados por um branco impiedoso e usurpador com dois dedos numa mão que mais tarde voltará para Davy o enfrentar, épico do nascimento dos caminhos-de-ferro transcontinentais que um dia uniram a América, este e oeste, norte e sul, coisa que brota, como das mais veementes tempestades nocturnas brotam as trevas e a escuridão que assombra o homem, todo o patriotismo e todo o humanismo do cinema de Ford. É do negro, sim, do negro da noite e da morte e do assassinato que rompe o coração do homem e que torna homem o menino, que cospe ou verte toda a brutalidade e aspereza da acção como da quimera do homem que corre atrás dela e cai no fatalismo do destino para que anos muitos anos depois seja o seu filho, o tal tornado homem naquela noite terrível e fatídica que marca qualquer um e que o deixou sozinho no mundo, a lutar e a cravar os pregos no sólo americano e na história pela concretização da tal quimera um dia sonhada pelo seu pai e por tantos outros americanos.

Comum dos homens tornado herói pelo suor e pela força da fé no ideal, primeira aparição Fordiana de Lincoln, “The Iron Horse” (a ele dedicado) é coisa tão audaciosa quanto os mais audazes de Griffith ou de Eisenstein, é coisa tão brutal e tão monumental quanto a própria história, gloriosa como os mais gloriosos actos do Homem, Ford O cineasta americano, da forma e da história americana, cineasta maior que ousou filmar quase toda a história americana, urge dizê-lo, o tal que filmava westerns era o mais puro defensor dos pretos e dos índios, anti-racista e anti-capitalista, unificador de todas as diferenças e todas as raças, pois se “The Iron Horse” como em quase todos os filmes se mune dum herói, dum vilão e duma história de amor, à superfície muito à superfície, lá no fundo é coisa de união, é mais que tudo essa a mensagem (e o tal dos dois dedos outrora chefe dum bando de índios para depois ser dono de tanta terra e de seu nome Deroux, o tal que matou o pai de Davy, é a mais pura imagem do capitalismo e da usurpação humana), é a união que faz a força e é pela união que se luta ali, no fim a teremos, não só a união daquelas duas almas apaixonadas como a união política e das duas empresas de construção como a do caminho separado pelo desfiladeiro em que mais tarde Davy quase sucumbe pela malvadez e ganância do noivo da sua amada e a mais importante a do território americano. Coisa tão intensa e tão feérica quanto o romantismo angelical de Borzage ou a escuridão aterradora de Murnau, “The Iron Horse” filme do lirismo do homem, filme dos pioneiros dos caminhos-de-ferro que unificaram América, filme como todos os filmes de Ford de lei e ordem ou como aquele jornalista dirá no final do “Liberty Valance”: When the legend becomes fact print the legend. Ao “Liberty Valance” muita coisa poderemos similar pois se aí se auguraría o fim do western e se invocaría pela lei e pela ordem mais que em qualquer outro, já aqui Ford o tinha feito até porque o tal cavalo de ferro do título, assombro e pavor para a agnosia dos índios, foi o grande veículo do progresso e da unificação do território americano.
Ford O maior dos maiores.

1 comentário:

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