22 de junho de 2011

Ossos (1997)
Pedro Costa

A Ossos hei-de sempre voltar, uma e outra e outra vez, revisitá-lo, descobri-lo sempre um pouco mais, adorá-lo sempre um pouco mais. Falo de Ossos como poderia falar de qualquer outro de Pedro Costa. Ossos é filme de transição na filmografia de Costa, condensa tudo o que fez antes e tudo o que faria depois. Meio documentário e meio ficção, coisa de realismo exacerbado imergido no lirismo dramático da ficção. Costa sempre alimentou o negrume do seu cinema, porque é aí donde nasce o seu realismo, nas sombras da vida, daquela vida, daquelas vidas, é o negro que vem d’O Sangue que explode em Ossos (e que explodiria nos seguintes), nos becos escuros e degradados do bairro, nos quartos e corredores das casas (ou o que se lhe possa parecer) que partilham o espaço com os becos, na miséria daquela gente, nas sombras das trevas que habitam a terra. É aí que nasce o realismo de Pedro Costa, é no escuro que vemos os olhares distantes e ausentes de Clotilde e de Tina, é no negro que rebenta a ausência do rumo daquela gente. O obscurantismo d’O Sangue perdeu-o aqui, acabou em Casa de Lava, ficou o negro do realismo, ficaram as sombras dum Portugal profundo, filma-se aquela gente e o seu local, filma-se o que aquelas pessoas são, porque é do bairro que elas são, porque é o bairro que as faz, porque aquele é o mundo daquela gente. E por isso o espaço é tão importante nos filmes de Pedro Costa (como os eram nos de Ozu e os são nos de Straub&Huillet), é no espaço que encontramos ou que descobrimos os personagens, um não vive sem o outro, é àquele espaço que ele (ou ela) pertence, é o realismo que os faz tão presos àquele mundo, ao seu mundo. É coisa abrupta, da crueza daquela realidade da qual ninguém quer saber, do submundo escondido aos olhos dos portugueses, é a crueza da câmara que regista o momento, objecto que documenta, que expõe, coisa que leva ao extremo nos dois filmes seguintes. Dilacerante. Monumental.

2 comentários:

My One Thousand Movies disse...

Ainda ontem estive a rever "O Sangue" :)

Álvaro Martins disse...

É sempre uma fantástica revisão! :)eu revi este anteontem, assim que tiver tempo vou ver o Ne Change Rien que até tenho vergonha de dizer que ainda não vi ;)