1 de junho de 2025


últimas coisas vistas:

 




 Hai shang chuan qi (2010, Jia Zhang-ke)
Les créatures (1966, Agnès Varda)
Le voleur (1967, Louis Malle)

31 de maio de 2025

 

1978, Killer of sheep, Charles Burnett


| a alienação das ovelhas afro-americanas | 



killer of sheep é coisa tão crua quanto melancólica; se há nesta obra-prima de charles burnett coisa que deva ser realçada é a melancolia da resignação que convive diariamente com o tédio e a irascibilidade contida (e controlada) das suas personagens; e se, aparentemente, não se passa nada em killer of sheep, ou se o seu neorrealismo apostado em dissecar a pobreza e a letargia daquelas “ovelhas” afro-americanas desagua no aparente “não se passa nada”, é-o superficialmente e para quem não consegue descortinar que ali se passa tudo o que burnett quer dissecar; assim, o que em killer of sheep poderia ser usado como manifesto político, é puramente social, numa clara alusão à alienação (até no sentido metafórico do título) daquela gente, bem como se afasta de qualquer romantização do objecto filmado; depois, aquela banda sonora é absolutamente maravilhosa!

 

28 de maio de 2025

 

1964, Nothing but a man, Michael Roemer 


 "It's just like a lynchin'. Maybe they don't use a knife on you, but they got other ways" 



talvez, e este talvez tem muita força, a grande virtude de nothing but a man seja a forma como evita beatificar e diabolizar o negro e o branco respectivamente, conseguindo não só fugir ao sensacionalismo, como evitar a desmesurada dramatização da discriminação e do racismo; assim, mergulha na crueza da sua linguagem cinematográfica e narrativa para suster o ímpeto apelativo do oportunismo temático, nunca cedendo a histerismos ou a sentimentalismos bacocos; é, portanto, na sua crueza, que nothing but a man me lembra o wanda da loden, na mesma análise directa e crua, sem embelezamentos, daquela américa profunda, no sul, onde o preconceito e o racismo persistiram mais tempo; ironia das ironias, mas apenas à primeira vista, num filme onde o sul preconceituoso e palco “maior” da escravatura no seu tempo é tão bem descrito e retractado, o seja por um judeu e não por um negro – o que nos mostra que há mais em comum que distintamente; 

nothing but a man, naquilo que ao seu sentido humanista reclama, combate até ao seu final pelo orgulho de um negro que entra em conflito com a estabilidade familiar, onde a resignação trará um futuro ainda que no seio da discriminação racial; aí, no seu direcionamento para a humanização da sociedade em si, mesmo a discriminatória, roemer distancia-se assim da violência (não foge, não a evita, apenas se distancia), tanto física como psicológica – e se ela se manifesta é a espaços e simbolicamente, como nos copos que se partem ou nas tensões criados nos confrontos; é, por isso, que nothing but a man é mais um estudo sociológico que um filme político, onde a carga emocional é gerida eximiamente e o racismo é preterido pela análise da sociedade em si, herdeira dos preconceitos e das regras discriminatórias que na época (obtenção da lei dos direitos civis, prémio nobel da paz a martin luther king, etc) sofreriam um abalo social com as transformações que viriam; absoluto, obrigatório.

26 de maio de 2025

25 de maio de 2025


Double bill of the last night

La vita è bella (1979, Grigoriy Chukhray)
La pelle (1981, Liliana Cavani)

24 de maio de 2025


 1991, Dyo ilioi ston ourano, Yiorgos Stamboulopoulos 


Em dyo ilioi ston ourano do grego yiorgos stamboulopoulos, safra de 91, existe a genialidade de criar a aspereza, a crueza e a rudeza necessárias para ambientar um filme histórico empenhado no retratamento do choque religioso e cultural do paganismo vs cristianismo; tratando de reinos longínquos no tempo, nos seus primeiros séculos cristiânicos - capadócia, antioquia, cilícia -, dyo ilioi.. conta-nos a história de lazaros da capadócia, homem da igreja que obstinado empreende o combate e a perseguição a timotheos, o actor, que é uma espécie de profeta (cultuado desde criança como um semideus) do paganismo - retractado quase como um cristo pagão; lembrando pasolini e o seu medea, stamboulopoulos consegue imprimir um certo cunho rudimentar em toda a ritualistica presente quer nos cultos a dionísio (sobretudo as bacantes) como a cibele; é aí, nos ritos e no choque entre paganismo/cristianismo que dyo ilioi... se expande, no obscurantismo presente tanto numa como noutra; na sua forma, o filme de stamboulopoulos é soberbo, embarca numa parca iluminação nos interiores, românizada, aludindo não só ao obscurantismo das religiosidade como ao período em questão (meados do primeiro milénio), a crueza e a aspereza já mencionadas acentuam o formalismo que se complementa não só na linguagem narrativa como em toda a sua cinematografia; monumental

22 de maio de 2025

21 de maio de 2025


 

2015, 45 years, Andrew Haigh 


   | o retorno do passado | 


Duas ou três coisinhas sobre 45 years de haigh: o espantoso trabalho de actores que arranca duas interpretações fantásticas, sobretudo a de rampling, assombrosa; a desconstrução de uma memória no seu papel transcendental ao impacto emocional, criadora da dúvida em tempo de celebração – 45 anos de um casamento; a implicação dessa mesma dúvida nas escolhas de uma vida; ora, analisando mais detalhadamente o filme de andrew haigh, que em 2023 faria o espantoso all of us strangers, deparamo-nos com um passado traumatizante para geoff e que, recebida uma carta no inicio, vem abalar os alicerces de uma vida a dois que já leva quarenta e cinco anos; o que se instala e que faz de 45 years um drama familiar psicológico que se transcende em si e ao género, é a dúvida que assombra kate quando o corpo da primeira namorada de geoff é encontrado nos alpes suíços ao fim de 45 anos; mas é naquele final onde na tal celebração geoff discursa e fala nos erros cometidos que o ressentimento paira no ar – e vem-nos logo à cabeça os filhos, a ausência deles, por escolha ou por impossibilidade dela (até porque na noite anterior, numa espécie de desabafo de kate, que sente não conseguir guardar para si o que antes descobre – katya estava grávida antes de cair na tal fissura nos alpes suíços –, se discute se ela foi ou não suficiente para ele naqueles 45 anos) – e ficamos na dúvida se aquilo (não ter filhos) foi escolha dos dois ou impossibilidade dela; independentemente disso, o que haigh quer semear é mesmo a dúvida e a instabilidade emocional que o passado longínquo causa naquela professora primária reformada; muito bom.

20 de maio de 2025

 


1966, Ekdromi, Takis Kanellopoulos 



  | Tragédia grega | 


Em ekdromi, a tragédia pressente-se logo desde início, na melancolia imprimida não só na sua linguagem narrativa, de um lirismo absolutamente maravilhoso, como na sua ambiência, na sua voz-off que acaba por nos transmitir que aquela história de amor em tempo de guerra desaguará na tragédia; na verdade, essa tragicidade é retractada quase como sendo destinada, um fatalismo, ainda que escolhido, destinado, de onde não tem como escapar; e ainda, se ekdromi tem lugar em tempo de guerra (segunda guerra mundial), apenas o sabemos pelos uniformes, pelas referências a ela e às suas missões, pelas patentes insistentemente mencionadas pelos personagens, pois os únicos tiros disparados que nos são mostrados acontecem lá no final desta tragédia grega que encerra como que um castigo por aquele amor proibido, nascido do pecado; é, portanto, no amor, no desejo, na infidelidade que ekdromi vive e respira; belíssimo!


17 de maio de 2025



Tsigoineruwaizen (1980, Seijun Suzuki) 
Kuraudo (2024, Kiyoshi Kurosawa) 


| um é soberbo, uma coisa tão complexa e desafiante na sua linguagem cinematográfica só própria dos génios, o suzuki, e o outro é uma desilusão (muito inferior a outro seu filme do mesmo ano - o chime) de outro génio, o kiyoshi |

15 de maio de 2025

 

Suzuki (provavelmente o mais ocidental cineasta japonês)






1959, Rabu retâ
1959, Suppadaka no nenrei
1977, Hishu monogatari

13 de maio de 2025

 



1958, Ankokugai no bijo, Seijun Suzuki

 

Revendo le notti di cabiria dou-me conta da sumptuosidade com que fellini tece o tour de force que é toda a história de cabiria, mulher fadada à erraticidade pelas desventuras da vida, aquele sorriso final, aliado à lágrima no olho "à la pierrot", que tudo e mais alguma coisa significa ou simboliza - resignação, descoberta da beleza nas pequenas coisas, nas trivialidades da vida, os mais sofríveis são sempre os mais bondosos, a esperança teima em resistir -, é o milagre da vida a acontecer, a força interior a renascer, a sacralidade que pelo meio lhe pisca o olho (a ela, cabiria) e que a fascina e atrai sempre na esperança de fugir ao "pecado" é ali erodida, escancarada... no meio da negrura e da penúria, a luz da vida, milagre supremo, é revelada naquele sorriso final.

 
Le notti di cabiria (1957, Federico Fellini)

12 de maio de 2025



 1935, Triumph des Willens, Leni Riefenstahl
1965, Obyknovennyy fashizm, Mikhail Romm

11 de maio de 2025


 1958, Kagenaki koe, Seijun Suzuki


só esta cena final da revelação do assassinato em frente ao espelho quebrado é tão genial que bastaria para fazer de voice without a shadow um noir digno dum lang ou dum tourneur...

10 de maio de 2025


 

1971, Sho o suteyo machi e deyô, Shûji Terayama


 no fundo do fundo de throw away your books rally in the streets está uma crítica à sociedade japonesa, àquela geração do pós-guerra, americanizada (colonizada) e apática e alienada; de resto, a sua linguagem cinematográfica é das coisas mais arrojadas no cinema, delirantemente (ou psicadélica) caótica, alucinante, vive numa radicalização do seu experimental manifesto sociológico/existencialista que rompe as barreiras convencionais/lineares do cinema, coisa desfragmentada se assim o quisermos pôr, "brinca" com as cores e com a câmara, com os seus posicionamentos, simbolismos, etc..

9 de maio de 2025




Yumeji [1991, Seijun Suzuki] 


| Suzuki: mestre |

Yumeji de suzuki é daquelas coisas colossais só próprias dos grandes vultos do cinema, tão radical quanto um parajanov, cada plano acarreta um simbolismo e um sentido metafórico e é um painel visualmente fascinante; fantasmático, yumeji adentra em onirismos e lirismos evocativos do pintor na procura de si mesmo e dos seus anseios/desejos, da beleza e da sua representação, e irrompe num delírio imagético abrilhantado por planos e movimentos de câmara tão ou mais arrojados quanto jissôji ou yoshida; foi aqui que kar-wai veio beber para o seu in the mood for love. Magistral.

8 de maio de 2025



 2019, El deseo de Ana, Emilio Santoyo 
   | o incesto ressuscitado |         

7 de maio de 2025


| a grande odisseia de Bing, provavelmente o maior cineasta deste século até ao momento | 


2024, Qingchun: Ku
2024, Qingchun: Gui
  





 

“Provavelmente, Youth é o filme mais ambicioso e mais importante da década, nos seus planos longos, quebrados e trementes, cheios de sombras e ciscos, e assombrados pela respiração de Wang Bing. Quando o século XXI começou – começou com No Quarto da Vanda, o filme de Pedro Costa – descobrimos que da miséria à dignidade vai um olhar de distância, e que os vencidos (os que escolheram mal, os que fizeram errado, os desafortunados, os mal-nascidos, aqueles a quem a vida não deu tréguas, convencendo-os de que o destino existe, e com ele os deuses raivosos e os santos milagreiros, que sempre os têm na mira) em nada se distinguem dos vencedores… partilhamos carne e condição. Agora que passaram 25 anos, Youth mostra-nos que dessa igualdade não nasce a fé nem a confiança, e que ela é um mero bálsamo fingindo engrandecer umas almas e encolher as outras, para simular justiça.” 

Miguel Faria Ferreira (daqui)

5 de maio de 2025

 

| lirismo ozuiano | 


1954, Onna no koyomi, Seiji Hisamatsu 


Como num filme de ozu, onna no koyomi deambula entre a serenidade idílica das suas personagens e os conflitos geracionais das mesmas; é por isso, na sua característica ozuiana, que o filme de hisamatsu se expande e maravilha o espectador sensível a isso; coisa idílica e efabulada, onna no koyomi trata as relações fraternais com uma doçura e uma candura só distanciada (ou quebrada) pelo comprometimento marital; ora, o filme centra-se nas duas irmãs ainda solteiras, é na possibilidade (necessidade?) do casamento que o enredo se desenvolve, e na relação dessa possibilidade (necessidade?) entre elas, na sua distinção - onde uma rejeita completamente qualquer pretendente e essa possibilidade de casar, a outra é o oposto, estando já enamorada e pretendendo casar; na tranquilidade da pequena vila piscatória, a estas duas irmãs cujos laços se revelam sólidos e muitos afectuosos, essa possibilidade do casamento é vista como disruptiva e castradora dessa mesma solidez fraternal, para isso contribuem os exemplos das restantes irmãs - são cinco ao todo -, cada uma delas entregue aos seus maridos e suas famílias (uma delas tem cinco filhos); é na vinda dessas irmãs para as cerimónias fúnebres de aniversário do pai que a interação entre elas se define e redefine e nos mostra o que se consolida numa e noutra; belíssimo!

 

| requiem for a dream |
2024, Khamyazeye bozorg, Aliyar Rasti

4 de maio de 2025

 

O brutalista é, além de hiper-pretensioso, repleto de lugares-comuns e de facilitismos hollywoodescos e de metáforas de pacotilha que revelam o imenso mau gosto cinematográfico, coisa de megalómano e chato até dizer chega... já pra não falar da mensagem sionista ser completamente repugnante!

3 de maio de 2025

 

2004, Ha'aretz hamuvtakhat, Amos Gitaï 


| promessa envenenada |


hotel terra prometida tem o condão de atravessar as suas fronteiras sempre aliado à crueza e ao intimismo que a sua história reclama; o israelita, que mexe com simbolismos, opta pelos grandes planos e colados aos seus personagens, na proximidade e na inclusão do espectador na trama; associado ao negro da noite, e das trevas em que aquelas mulheres imergem, gitaï foca o seu objectivo mais na desumanização de todo o processo do que propriamente na finalidade (a prostituição) de todo esse processo… na verdade, é nas trevas que hotel terra prometida faz todo o seu percurso e atravessa as suas fronteiras, mas nunca se dissociando do seu hades nem dos seus carontes, até ao final em que a luz, que vem do fogo, abraça aquela mártir; é sim, com aquela câmara à mão, uma descida vertiginosa ao hades israelita, sem que gitaï necessite de enveredar por nenhum grafismo para chocar ou sensibilizar - e aí me parece residir o maior trunfo do filme; brutal

 

2 de maio de 2025