30 de outubro de 2022



1955, Tsuki wa noborinu, Kinuyo Tanaka

The moon has risen é daquelas coisas idílicas que nos arrebatem o coração, é coisa ozuiana até ao imo - o argumento é de Ozu e de Ryôsuke Saitô... maravilha de filme. 

29 de outubro de 2022


 

1953, Koibumi (Carta de amor), Kinuyo Tanaka


“aquele que nunca pecou
que atire a primeira pedra”
João, 8:1-11


Perto do final desta assombrosa e feérica obra-prima, filme de estreia duma das grandes actrizes do cinema clássico japonês, Kinuyo Tanaka, já em pleno “momento-redenção” de Reikichi, Yamaji diz-lhe (a Reikichi), “aquele que nunca pecou que atire a primeira pedra”, resumindo numa citação bíblica aquilo de que no fundo trata Koibumi, o perdão. Desse momento até ao final pouco mais nos será mostrado, apenas todo o arrependimento do mundo num homem assombrado pelo orgulho e pela mágoa ao levar as mãos à cara.

Koibumi é filme de quem aprendeu bem com os mestres com quem trabalhou (de Mizoguchi a Ozu, de Naruse a Kinoshita…), é filme de quem percebeu a intensidade e o rigor do momento de aproximar a câmara ou o seu posicionamento. Tanaka filma magistralmente uma história do pós-guerra com o mesmo lirismo e o mesmo vigor de Naruse ou de Mizoguchi, lança-nos num neo-realismo “viscontiano” e “naruseano”, onde o conflito interior expia as feridas abertas do passado e gera a neblina sobre o futuro… na verdade, a redenção é mútua, a salvação é desejada por aquelas duas almas trucidadas pela guerra e suas vicissitudes.

Koibumi, ainda que imerja num realismo ambientado pelo contexto social dum pós-guerra ainda recente, ainda sob ocupação e ainda com as feridas por sarar, é na sua complexidade um melodrama psicológico. Reikichi é um homem amargurado, espelho da nação, vive isolado e sustentado pelo irmão mais novo, o tal que compra livros baratos e os revende muito mais caros, o tal que lhe diz que sair lhe faria bem… e é numa saída que encontra um camarada de guerra que lhe arranja essa estranha forma de ganhar dinheiro que é escrever cartas de amor (sobretudo de mulheres para os soldados ingleses). É aí que voltará a encontrar Michiko (sublime interpretação de Yoshiko Kuga) e a esperança do amor se reacende… mas é também aí que fica a conhecer o seu passado…

Portanto, é naquele final tão mesto quanto ledo, tão sacro quanto feérico, tão melancólico quanto redentor, que o maravilhamento eclode e nos arrebata, é naquele final que o todo se une e que a grandiosidade do filme de Tanaka se nos declara. Monumental!

17 de outubro de 2022


 

1965, A Falecida, Leon Hirszman


A Falecida do Hirszman é daquelas coisas tão pungentes que perduram na memória durante vários dias. Realismo feérico que atinge a monumentalidade na simbologia e no misticismo do intrínseco em si, poderoso artificio sobre a vontade humana e o anseio da remissão da culpa, emaranhamento total da fantasmagoria com o real, a morte como companheira ou, mais ainda, como desejo subversivo de expiação do pecado, veículo irracional de vingança imbuído numa motivação surreal e mórbida do absurdo, coisa obsessiva que da matéria alcança o espírito, ou a alma.
Fernanda Montenegro encarna a carne (ou essa matéria) que vai sendo contaminada pelo espírito, a transfiguração da alma, a exteriorização do interior ou da doença que começa na alma… alma que é assolada pela culpa do pecado - a mácula do adultério - e das amarras dum casamento que não a preenche… mais que a moralidade que reina naquele subúrbio é a falta dela (e a procura dela) em si mesma que lhe traz essa insatisfação e essa vontade de morrer. Momento catarse aquele em que Zulmira abraça a chuva como veículo libertador da sua condição, momento também profético ou sacral em que a alma parece libertar-se do corpo/condição e “saborear” a libertação da morte/desencarne, coisa sublime que só ela bastaria para colocar A Falecida no panteão das grandes obras do cinema brasileiro.