15 de fevereiro de 2012

Entre o óbito e o renascer...

O último filme dos irmãos Dardenne é o atestado de óbito do cinema a que estes nos habituaram, o mesmo atestado de óbito que “Lorna” já augurava, isto porque, ainda que todo o filme se movimente pelo realismo (ou neo-realismo) social a que os Dardenne são familiares desde o primeiro dos seus filmes, é a ausência daquela crueza e daquele ritmo frenético com que filmavam que desilude (ou que se estranha ou que atesta o óbito), é a mudança da forma de filmar (ainda que por momentos, a espaços, surjam alguns planos e enquadramentos “reconhecidos” da dupla e se “revisite”, a espaços novamente, a herança do Dogma 95, a câmara à mão e aquela perseguição desenfreada em que noutros títulos da dupla abundavam), a distância que a câmara assume nas personagens (de todas as formas). “Le Gamin au Vélo” perde (o que “Lorna” não perdeu por completo) a réstia de arcaísmo fílmico existente nos belgas, a recusa ao melodrama, ganha os floreados e o sentimentalismo meloso. A moralidade do tema, o tal realismo social que aqui se direcciona para a orfandade adquirida e para a delinquência infantil que daí resulta (que acarreta a ausência de afecto, a rejeição paternal, etc), as questões sociais, o realismo do seu cinema, isso tudo continua lá, mas onde “Rosetta”, “La Promesse” e “L’Enfant” buscavam a crueza e a “perseguição” dos seus personagens centrais, a “exclusividade” realista, quer de texto quer de imagem, a preocupação na sobrevivência, no instinto de sobrevivência do homem, “Le Gamin au Vélo” (como já em “Lorna” se antevia) recorre à tal distância e ao cinema “encaixadinho” ou seguro (dos planos e enquadramentos) dos grandes estúdios norte-americanos (ainda que não me desagrade algum classicismo que conseguem alcançar), aqui eles fogem à aproximação ao personagem, distanciam-se dum “rudimentarismo” que compunha o seu cinema e optam por um certo convencionalismo e sentimentalismo lamecha. No final, o que fica é a desilusão!


Já no último filme de Mike Leigh falemos da volta ou da quase volta do Leigh do realismo, da crueza e da depressiva rotina da vida. Leigh é um contador de estórias da vida, é isso que ele é… este Mike Leigh e não o de “Topsy-Turvy”… este Leigh que vai às raízes do seu cinema, ao “Naked” e ao “Secrets & Lies” buscar tanta coisa para fazer um “Another Year” brutal, coisa tão imersa na simplicidade de contar uma estória, na simplicidade de filmar um certo realismo, coisa de rotinas, das pequenas coisas da vida, dos encontros e desencontros da vida, dos dissabores e das mágoas, das alegrias e daquilo que realmente nos rodeia, que faz de nós humanos. Leigh filma a vida com a sua feiura e a sua boniteza, filma as relações que sempre foram uma das maiores preocupações do seu cinema, são lições de vida e não fantasias de estudantes ou de garotos que cresceram a ver os action movies da Hollywood dos anos oitenta e noventa. “Another Year” é a negrura do mundo, da vida, é a verdadeira negrura e não o fim do mundo em cuecas ou o apocalipse ali ao lado… mas é uma negrura equilibrada e não caótica como a de “Naked” ou a de “Secrets & Lies”, uma negrura que vai buscar a cor e o optimismo de “Happy-Go-Lucky” para equilibrar com a depressão e a dureza das contrariedades da vida, uma negrura pálida e seca, o realismo que foge da depressão e do precipício para trazer uma certa resignação e consequente descoberta da felicidade (condicionada ou não) possível e realizável… porque estórias de encantar só mesmo as historiazinhas de embalar que por ora se fazem lá em Hollywood!

2 comentários:

ANTONIO NAHUD disse...

Muito bom. É isso aí.

Cumprimentos cinéfilos!

O Falcão Maltês

Sam disse...

Concordo inteiramente, os Dardenne já fizeram isto antes e com melhores resultados.

Cumps cinéfilos.