22 de dezembro de 2017

Últimos filmes vistos, duas coisas primorosas, tempo do mudo… ápice do cinema, sumptuosidade total… actualíssimos mas mais que isso, coisas que hoje em dia não se fazem nem há audácia ou destreza nem competência para tal porque o cinema se direcionou para outro caminho. Um registro do que me pareceram:



Regeneration do Walsh é uma fábula ou um conto moral a que tantos cineastas foram “beber”… é provavelmente um dos primeiros filmes de gangsters e um portento quer na narrativa quer no ritmo da acção. Tragédia (como também o é o outro filme), mutação das almas e do ser, a fisicalidade ou a sua mutação que rompe fronteiras (e/ou classes sociais)… a história já é batida nos dias de hoje, conta a história de Owen, um garoto que irá crescer e se tornar homem, inserido num ambiente familiar disfuncional (pai bêbedo e que “arreia” na mulher a “torto e a direito” - mais tarde, já homem, salvará um bebé em condições semelhantes… ironia das ironias, tudo não faz mais senão parte da “regeneration” do título) e de miserabilidade que, ainda em tenra idade, foge do meio/família para iniciar o seu percurso em direcção à criminalidade. No imo desta história de Walsh está a efabulação na sua “regeneration”, na moralidade e no amor donde esta resulta bem como na tragicidade que irá despontar no final. Owen é, talvez, um tipo de personificação da Maria Madalena (ou Madalena arrependida) da Bíblia, ou dum filho pródigo que depois de “mergulhado” no pecado ou, neste caso, no mal (e aqui representado pelos gangs, pela máfia ou coisa parecida) retorna a “casa” – o bem neste caso – numa regeneração impulsionada pelo amor e pela candura de Marie, ainda que para isso seja posto à prova numa situação de lealdade e de “retribuição” para com um dos antigos companheiros. A grande moralidade do filme de Walsh reside nessa mesma “regeneration” do título do filme, na possibilidade do mal voltar a ser bem e de que ninguém está completamente “perdido”. Nessa narrativa do percurso do miúdo que se tornou homem e chefe dum gangue como resultado do meio ambiente (e social), emerge a plasticidade dos personagens e as sombras do mal para serem ofuscadas pela luz do bem.



Mat, ou Mãe, de Pudovkin revela-se-nos ainda mais negro que o filme de Walsh, aqui a tragicidade é total e brutal. Filme obrigatório onde Pudovkin (eternizado ao lado de nomes como Eisenstein, Dovzhenko, Barnet ou Vertov) inova nas técnicas de montagem e nos ângulos de câmara, Mat é a história duma mãe que enfrenta a miserabilidade e a crueldade do feudalismo imperial (ou czarista) russo (ano de 1905) imerge nas sombras do medo e da repressão do poder sobre o povo/proletariado… Pudovkin retrata-o bem naqueles primeiros minutos iniciais, a bebida é o escape para os resignados, o primitivismo possui-os e a frieza ou a crueldade ou a dureza com que são tratados pelos “senhores” espelha-se no seio familiar e na forma como se trata a mulher, as resignadas. Mat parte duma greve laboral falhada e denunciada (está-se no epicentro da transformação política e social marxista que culminaria nas revoluções de 1905 e 1915) que resulta na morte do pai de Pavel Vlasov (o filho), reacionário e opositor do regime que participara dessa mesma greve. Perseguido, denunciado pelos “resignados” (os fura-greves que independentemente da classe social ainda continuam obedientes e fiéis ao poder), a mãe do título, numa tentativa de salvar o filho, entrega-o e “condena-o”, como mais tarde se “condenará” a si própria naquilo que Pudovkin nos mostra ser uma evolução da tomada de consciência das classes ou da classe operária. Mat nada mais é que um retracto da revolução falhada de 1905 pelo olhar dessa Mãe representativa de toda uma classe social, uma reflexão sobre a consciência (a obtenção desta) ou o surgimento da urgente sublevação duma classe social (proletariado) face ao imperialismo e à sua opressão/tirania como coisa necessária e iminente para a sobrevivência deste… Obrigatório.

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