8 de julho de 2017

Os comboios da morte...

Treblinka do Tréfaut é das melhores coisas que vi ultimamente, vive da negrura e da melancolia dos seus planos e enquadramentos para se envolver na desolação, na angústia e no reavivamento das memórias do passado. Tréfaut faz uma viagem (literalmente porque o “caminho” se faz quase sempre ou dentro daquelas carruagens ou no exterior filmando-as) pelas memórias de dois sobreviventes (um homem e uma mulher) desse terrífico e tenebroso campo de extermínio nazi. Os comboios e os seus vagões ou carruagens, nos quais chegam os “condenados” à morte, são o ponto de partida e o veículo de Tréfaut para daí construir o seu filme, é neles que chegam os tais dois sobreviventes como é por eles que chegam todos os outros que, como a dada altura do filme eles dizem, com as suas mortes vão fazendo ou ajudando a sobreviver aqueles judeus que “os ajudam a matar”… a sobrevivência tem destas coisas, alguém tinha de cortar cabelos, alguém tinha de empilhar as roupas e “reunir” o dinheiro e o ouro (extrair os dentes de ouro) e tudo o que fosse de valor para os alemães, alguém tinha de carregar os corpos, incinerá-los… sobrevivência.

Tréfaut parece-me usar a nudez como ligação directa ou duma certa fidelidade de representação visual ao passado e a essas memórias… todos eram despojados dos seus pertences, das suas roupas, todos ficavam sozinhos no seu caminho para a morte… a nudez representativa também da fragilidade e da pequenez do individuo, da humilhação e da submissão… não há maior rebaixamento possível. Treblinka é coisa negra e fria, assim tinha de ser, traz naquelas duas vozes uma tristeza melancólica e resignada, traz além do reavivar de memórias um reviver (ou algo como uma extensão de tudo aquilo que se viveu no holocausto) naquelas duas vozes (uma delas voz-off - a da mulher - representada por Isabel Ruth) daqueles fantasmas do holocausto, o passado a misturar-se com o presente (como todo o filme é uma mistura de ficção e documentário) e por isso os comboios ainda ligam a Rússia e a Ucrânia à Polónia e a Treblinka e tudo isto seja também um olhar e uma metáfora ou um paralelo à actualidade. O(s) olhar(es), tantas vezes reflexivos naquelas janelas das carruagens, são feitos de dor, de sofrimento, de terror… e o reflexo é usado por essa razão, para mostrar o que ficou dos sobreviventes (não são nem nunca poderiam ser as mesmas pessoas, tudo muda para quem passa e consegue sobreviver ao inferno) e, como diz Tréfaut, “o que é viver depois disso”… Treblinka acaba por ser algo muito mais sobre o presente e tudo aquilo que afinal não mudou do que sobre o passado e sobre o holocausto, ele está lá como referência à actualidade e aos erros que continuam a ser repetidos, a indiferença, o olhar para o lado, o não é nada comigo… e por isso Treblinka rejeita sensacionalismos e victimizações, foge de quaisquer floreados ou sentimentalismos gratuitos. Muito bom.


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