25 de março de 2012


A ambiguidade do crime

Numa procura pela ambiguidade da questão, pela sua moralidade ou até pela legitimidade dessa mesma questão, o russo Andrei Zvyagintsev faz com “Elena”, a sua mais recente obra, um filme negro, estilizado e contemplativo, ainda que aquém da monumentalidade do seu primeiro trabalho. E aquém porque “Elena”, ainda que extremamente bem filmado, enquadrado e ambientado, com planos e tempos e movimentos brutais, cai um pouco na previsibilidade dessa ambiguidade procurada, até porque tudo não passa duma história de traição ou do “espectro” dum tipo de noir moderno (ou thriller ou o que se lhe queira chamar - já o anterior se “agarrava” a isso) a misturar-se com o melodrama e a “cair” para a contemplação e a reflexão da coisa (ou da questão), tudo com uma sólida intenção de explorar o interior das suas personagens (à imagem dos filmes anteriores, e todos eles à imagem da sua grande influência literária que me parece ser Dostoievsky), onde tudo se remete a um obscurantismo procurado mas não alcançado duma história de crime e ausência de castigo. Não que tudo isto faça de “Elena” um mau filme, bem pelo contrário, mas limita-o e impede-o de chegar onde “O Regresso” chega. A ausência do castigo (ainda que aquela falha de luz lá perto do final na casa do calaceiro do filho remonte para a consciência que assombrará Elena) vem como que, num registo similar ao de Loznitsa em “Schastye Moe” (ainda que toda a brutalidade e a implacabilidade do filme de Loznitsa estejam ausentes aqui), condenar social, moral e politicamente uma Rússia moderna e pós-comunista onde tudo se remete para um caos moral e social e onde tudo vale para proteger os seus. No fim, o russo tenta questionar o acto de Elena, como que a perguntar se realmente a extinção premeditada duma vida (ainda que já estropiada e condenada a essa extinção mais tarde ou mais cedo) justifica as oportunidades que essa mesma extinção ou “ceifadela” trará a outra (ainda que esta se afigure na plenitude da jovialidade).

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