Um filme de John Ford
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(…) Desde o início, o filme é inscrito numa soberana harmonia entre o olhar e o olhado, entre o dito e o visto. Recorrendo à voz off de uma criança (como em tantos outros filmes dos forties) a magia começa quando o narrador começa a evocar a vida que se vivia cinquenta anos antes. E sobre as imagens da única rapariga da família – Maureen O’Hara – e do pai com a mão pousada sobre o ombro do filho (imagem que voltará com outras, no final, num efeito de recorrência tão típico de Ford) ouvimos os cânticos do País de Gales e ouvimos o miúdo dizer que «cantar está para o meu povo, como ver está para os olhos».
Depois, essa tão grande nostalgia que todo o filme «respira» é dada em breves planos do quotidiano (o dinheiro que os filhos ganham a cair no avental da mãe, os banhos, as refeições, a rapariga crescida no meio de homens sem falsos pudores). Nunca, talvez, uma figura de «passado indefinido» tenha sido tão poderosamente criada em cinema. Tudo o que vemos no presente ao passado pertence, tudo o que sucede é já efémero e perecível. Dantes (um dantes anterior ao próprio filme) fora a imobilidade do vale. Há 50 anos, tudo tinha começado a mudar e Roddy McDowall é a última testemunha dessa transição fatal e letal. Como diria Augustina, há coisas que fazem tanta pena. Todo o filme está nessa pena, nesse espaço «entre».
Ao princípio, é o primeiro casamento. Bronwen (Anna Lee), a tão bela Bronwen, vem para casar com um dos filhos do vale. E o miúdo diz-nos que imediatamente se apaixonou por ela. It’s perhaps foolish a child being in love, mas aconteceu. E esse casamento – sem que ninguém o saiba – é o último «momento verde» da vida da família, com a portentosa festa e a portentosa alegria.
(…) Quem disser que este filme é reaccionário é porque nada sabe do sagrado. Filmado com a luz de Dreyer, em torno da mesma linha fundamental (as verticais) How Green Was My Valley é a obra que mais comoventemente mostrou, em acções concretas e planos americanos, sentimentos tão simples – ou tão complexos – como a dignidade, a liberdade e a frontalidade.
Nunca deixarei de me espantar com olhar tão limpo e tão límpido. Como Roddy McDowall diz do pai, nenhum filme me existe na memória tão real como na vida, amando e amado sempre.
E não há filme que me faça mais saudades.”
João Bénard da Costa
5 comentários:
Sem dúvida. Estou a ler o 1º volume de Os Filmes da Minha Vida Os Meus Filmes da Vida. E é mesmo uma delícia ler a maneira apaixonada e fervorosa com que Bénard da Costa falava de cinema e dos seus filmes da vida.
Relativamente ao filme também é o meu preferido.
Tenho muita curiosidade em ver este filme. Por enquanto o meu preferido de Ford é o The Searchers, mas o início do Grapes Of Wrath é dos momentos mais poéticos, ainda que simples, do cinema Americano.
Sim, o The Grapes of Wrath é talvez o melhor filme do Ford, embora, como diz Bénard seja mais revolucionário e bastante diferente deste no que toca a valores. Mas este é um filme belo e sem dúvida nostálgico. É o meu preferido.
É o meu Ford preferido. Belo, belo.
Já somos dois, Victor ;)
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