A Krotkaya (Uma Mulher Doce - 2017), atribua-se-lhe toda a desolação do mundo (neste caso daquela Rússia caótica e decadente que já em Schastye Moe Loznitsa tinha filmado - e no seu todo, Krotkaya é um filme-irmão da primeira ficção do bielorusso). Talvez por isso, esta viagem angustiante e degradante que aquela mulher faz até a uma Sibéria - que apenas perpetua um “estado” caótico, desolador e absurdo dum país (e neste registo Krotkaya até me pareceu um filme mais político e corrosivo que Schastye Moe, ou pelo menos mais transparente) - na incessante procura de respostas a uma devolução dum pacote enviado ao seu marido preso numa cadeia na Sibéria, Uma Mulher Doce caia um pouco na repetição ou na incidência do tema (e parece-me sobretudo que tudo aquilo já tinha sido dito em Schastye Moe).
Ainda assim, Krotkaya serve muito bem ao que vem, caminhando desde o início num registo kafkiano e numa tragicidade sempre à espreita que no final, de forma alegórica e satírica, a abraça (literalmente) naquilo que me parece ser mais uma metáfora da condenação ou da falta de compaixão (ou até dalguma resignação face ao caos social e à desolação duma Rússia imersa na corrupção e na ausência de valores éticos e morais). Aí, nesse final alegórico que envolve toda a dimensão crítica que percorre todo o filme, Krotkaya grita de forma surrealista e absurdista (e não só no final como em todo o filme, o universo kafkiano vem-nos constantemente à memória) aquilo que já em Schastye Moe nos tinha transmitido, não só a desolação e uma certa perda de identidade, mas também a condenação duma Rússia tão negra, tão perversa e tão corrupta onde até quem defende os direitos humanos (tolhida à partida de quaisquer capacidades na luta e na reivindicação desses direitos) aconselha a ter cuidado e a pensar muito bem em apresentar queixa.
Assim, Krotkaya é (assim como o era já Schastye Moe) uma viagem alucinante onde a candura é exposta e gradualmente perdida (e o final, ainda que alegórico, onírico e risível, é a brutalidade dessa aniquilação da candura e da consagração da tragicidade) e onde a feiura dum país imerso na alienação, na desolação, na decadência e podridão da ausência de moralidades (e de respeito e de tolerância e de compaixão…) vaticina o futuro duma Rússia onde a alma está condenada e dispersa na escuridão e na sua implacabilidade. O arrebatamento deu-se com Schastye Moe e, por isso, com Krotkaya dá-se uma desconsolação!
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