22 de novembro de 2013


Mary of Scotland, do grande, do maior dos maiores, John Ford, é mais um dos seus grandiosos filmes, um brutal arremesso ou petardo de sombras e da terrífica história da rainha da Escócia, coisa tão trágica quanto shakesperiana, tão glorificante e tão sombria quanto macbethiana, as trevas da corrupção e da perfídia tantas vezes mencionada pela Mary de Hepburn, interpretação tão magnífica e tão estonteante quanto a de Fonda no seu Young Mr. Lincoln, brutalidade da acção e da comoção das teias e da viscosidade da sede de poder, tragicidade e escuridão que assola a tela em busca da mais terrífica e da mais maquiavélica das falsidades que outrora condenaram e mataram alguém, Mary of Scotland expugnada e atraiçoada, lançada às feras no seu próprio reino desde logo condenado e ainda mais mergulhado no fatalismo do destino traçado pela sua grande escolha errante, um rei que mais parecia rainha, a renúncia ao amor em detrimento do trono, ainda que um filho daí resultasse, o amor vencerá mesmo no centro das trevas e da morte. Hepburn e as sombras do seu calvário, e a luz que ilumina o seu rosto, que brilha na mais bruta das expressividades, coisa tão lancinante ou tão pungente e tão feroz quanto as da Falconetti da Joana D’Arc do Dreyer, rugosidade das imagens, implacabilidade do olhar, dos trovões da ferocidade e da cólera de Deus. Mary of Scotland, negro como as mais negras tragédias shakesperianas, como o Hurricane ou o The Prisoner of Shark Island, é Ford a transcender-se e a verter-se pelas imagens e pelas sombras das trevas que condenaram Mary Stuart of Scotland. Monumento único, grandiosidade total.

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