Stanley Kubrick foi, para mim, o cineasta mais brilhante que existiu até hoje. A sua visão de um determinado tema era transposta para o cinema fabulosamente e unicamente. Nunca um realizador foi tão genial, tão profundo, tão irreverente, tão brilhante. Poderia estar aqui horas e horas a falar de Kubrick e todas as suas obras, desde “The Killing”, passando por “Lolita”, “Dr. Strangelove”, “Spartacus”, “Paths of Glory”, “Barry Lyndon”, “2001 A Space Odissey”, “The Shinning”, “Full Metal Jackett”, “Eyes Wide Shut”, até este “A Clockwork Orange”. Mas na verdade, “A Clockwork Orange” constitui com “2001 A Space Odissey”, “The Shinning” e “Full Metal Jackett” as obras máximas do seu cinema, não menosprezando as outras.
Mas, relativamente a este “A Clockwork Orange”, em português “A Laranja Mecânica”, Kubrick criou uma obra-prima sobre a violência. É um filme espantoso e lembro-me que quando o visionei pela primeira vez fiquei completamente extasiado, sem saber o que dizer. Sim, sem saber o que dizer, pois há filmes que têm esse poder. O poder de nos deixar em blackout.
“A Clockwork Orange” é como a moeda que falta a um coleccionador, preciosa. É como a mente humana, complexa. É como uma estrela, brilhante.
Ao que parece, Kubrick adaptou o romance homónimo de Anthony Burgess com Malcolm McDowell em mente para o papel de Alex. Penso até que Kubrick terá dito que se McDowell tivesse recusado fazer o papel de Alex, ele não tinha feito o filme. Uma coisa é certa, passados 38 anos da realização do filme, não imagino outro actor da época que superasse a prestação de McDowell. Interpretação fabulosa.
Stanley Kubrick, volto a referir, foi um génio da Sétima Arte. Ele construiu com este “A Clockwork Orange” uma arrojada e imponente crítica à sociedade americana e à geração de delinquência que se formava na época. Violento? Muito, não há como negá-lo, mas brilhante.
Polémico, frio e assombroso, “A Clockwork Orange” é isso tudo e ainda mais. É uma viagem pelos horrores de uma mente psicótica e pelas atrocidades depravadas e ultra-violentas de uma geração corrompida. É uma denúncia da hipocrisia social de uma época negra, caótica e condenada.
É com o percurso de Alex (Malcolm McDowell) que Kubrick nos mostra esse paradigma social. Alex, cuja música preferida é a Nona Sinfonia de Beethoven, é violento, sádico, irreverente e cruel. Ele é o líder de um gang, chamado por droogs, que vem do russo druk (amigo), onde Alex exterioriza toda a sua crueldade e malícia conjuntamente com os outros membros do gang. A linguagem utilizada por Alex e pelos companheiros, denominada de nadsat, é uma criação do autor do livro Anthony Burgess, onde mistura palavras inglesas, russas e calão.
A iniciação de Alex e o seu gang no mundo delinquente começa com roubos e acaba em violações depravadas, espancamentos e assassínios. Depois de ser traído pelos seus companheiros, Alex é preso e submetido a uma experiência perigosa e inovadora denominada Tratamento Ludovico, que tinha por finalidade eliminar essa vertente sádica e criminosa de Alex e criar uma aversão deste pela violência. Ou seja, uma espécie de “cura” para os psicopatas e criminosos em geral. Quando Alex regressa à sociedade, vai ter que lidar com essa hipocrisia que o rodeia, com essa violência psicológica, vingativa e hipócrita que abunda na sociedade.
Particularmente, sou da opinião de que a famosíssima cena em que Alex canta Singin’ In The Rain enquanto espanca um casal e viola a mulher está simplesmente magnífica. Nessa cena, Kubrick mostra toda a demência, toda a crueldade de uma mente depravada e psicótica.
Kubrick cria violência em toda a sua forma. Abunda crueldade, falsidade e horror. Emerge ironia, transpira demência. Ele protesta contra a sociedade, contra a política. Kubrick impõe-se contra uma sociedade que impõe valores imorais, que cria ela própria estes “seres”, que origina esta violência, este caos social e futuras demagogias.
Kubrick em perfeita sintonia com o cinema, com a arte. Assombroso.