26 de julho de 2024

 









1961, Banditi a Orgosolo, Vittorio De Seta 



| de um tempo em que o neo-realismo italiano caminhava já para o definhamento, de seta dá ao mundo uma obra-prima que abarca não só todo um universo bíblico como antropológico, etnográfico, etc; à semelhança de outras obras-primas com o mesmo formalismo e a mesma linguagem cinematográfica, la terra trema de visconti ou finis terrae do epstein, banditi oscila entre a documentalidade e a dramaturgia onde por vezes se esforça mais por registar os ritos e o próprio métier bucólico; no entanto, banditi a orgosolo reclama para si todo o fatalismo e toda a condenação do mundo, rejeita qualquer redenção, bem pelo contrário, e toda e qualquer estase... sucumbe-se à perdição... magnífico |
















2019, Il varco [Michele Manzolini, Federico Ferrone] 




| documentário com 98 ou 99% de imagens de arquivo, narrado por um anónimo soldado italiano em tempos de plena segunda grande guerra, deslocado para a frente oriental, mais concretamente para a ucrânia, o filme tem essa particularidade de mostrar o lado vencido, as memórias dos algozes, os italianos seguem assim os alemães na invasão aos russos naquilo que seria o início da queda germânica; o ambiente do filme, além de desolador e melancólico, é também lírico mas ao mesmo tempo lúcido, o soldado já experiente em guerra, vindo de áfrica, mostra medo apesar do optimismo geral, apesar do aparente caos soviético, desde o início ao fim é expresso o desejo de voltar a casa, como sendo um sonho longínquo e utópico; no entanto, é na procura do paralelismo com a actualidade - 2018, guerra civil ucraniana em curso -, que me parece residir o principal intuito de il varco, é aí que são evocados fantasmas do passado e assim adquire contornos mais fantasmáticos e desoladores, é aí que o sofrimento humano se dilata no tempo para se perpetuar naquele espaço; uma lancinante imersão na negrura de uma página da história da humanidade | 















2023, Zielona granica, Agnieszka Holland 




| o que fica de green border, filme político que "mete o dedo na ferida" e que, como objecto cinematográfico, está bem composto de gatilhos emocionais e de facilitismos narrativos, é o final onde se denuncia a distinção das medidas políticas polacas, e consequente actuação das patrulhas fronteiriças, entre as fronteiras com a bielorrússia e com a ucrânia | 
















1994, Du li shi dai, Edward Yang 




| uma das coisas magistrais e absolutamente deliciosas em uma confusão confuciana do yang é o seu satirismo e a sua comicidade residirem à superfície, escondendo (ou tentando) o melodrama e o romantismo... fabuloso | 

















 L'air de Paris [Marcel Carné, 1954] 




| l'air de paris é coisa ambivalente, carnéana no seu sentido pleno, tão lírico quanto realista, é no amor que a ambiguidade se confunde com ambivalência, há o boxe e há as mulheres, mas também há uma relação muito próxima de victor com andré que tanto ciúme suscita a blanche, onde muitos lêem uma hipotética ou sugestionada homossexualidade; falando em leituras, se à superfície l'air de paris se traduz no amor de dois homens pelo boxe e na entreajuda (e na troca de favores, um treina e dá "asilo" e o outro pode dar a glória não só ao próprio como ao treinador que passou uma vida em busca disso), lá no fundo deste pungente e feérico petardo sobre as frustrações humanas, reside a ânsia desesperada da libertação, o boxe como metáfora ou veículo desse sentido libertário daquilo que molda e transforma o ser humano, a sociedade |

















1944, Bluebeard, Edgar G. Ulmer 


| em bluebeard, conto terrifico tantas vezes adaptado ao grande ecrã, o mais interessante nesta versão de ulmer, cineasta que nos ofereceu coisas mais série b, é a sua subtileza com que desenvolve a trama, assim como a sua veia expressionista que atinge picos de beleza no seu final |

















| a luz que emerge das trevas | 


1946, The man I love, Raoul Walsh 


"We are all in the gutter, but some of us are looking at the stars." (Oscar Wilde) 


















1939, The roaring twenties, Raoul Walsh



| há em the roaring twenties, outro dos sumptuosos walshes, uma oscilação quase orgásmica da descida ao orco e da subida ao éden, oscilação que tem lugar não só em eddie, numa das grandes interpretações de cagney, como naquela américa economicamente inflacionária do pós-guerra que tanto se vira para uma lei seca próspera no contrabando como enfrenta um crash da bolsa; a primeira descida ao orco, vertiginosa e inevitável, é a primeira guerra mundial, ponto de partida de roaring twenties, é logo aí que conhecemos a tripla que me fez lembrar (não obstante todas as suas diferenças), a tripla que lá pelos anos sessenta, sergio Leone criou para o seu bom, mau e o vilão, é naquele buraco onde se abrigam das bombas inimigas que os destinos daqueles três homens se encontram e se irão interligar; mas dizia eu, a oscilação parte dessa descida ao hades na guerra para no retorno a casa a oportunidade do crime organizado na lei seca o levar ao éden, ou pelo menos ao que se lhe assemelhe no mundano com toda a ilusão que o poder apresenta e com todo o glamour que os filmes de gangsters dos anos trinta detinham (a paixão ou o amor atingem-no e durante a ilusão da conquista amorosa há de facto, em eddie, essa felicidade paradisíaca), e é após o crash da bolsa de vinte e nove que o ciclo oscilatório se completa com o retorno ao orco; no meio dessa vertiginosa viagem trevosa que inicia naquele buraco em mil novecentos e dezoito para não mais encontrar a luz - talvez naquele final redentor se vislumbre uma sacralidade e uma subida ao verdadeiro éden -, encontramos a mestria de walsh e as suas escolhas narrativas na jornada de ascenção e queda social que as escolhas daqueles três "camaradas" de guerra trazem nos anos vinte duma américa em ebulição | 

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