Assim que o corpo é identificado com a prisão, surge uma tendência para a auto-mortificação. O pároco rural mortifica o corpo e na hora da morte entrega-se nas mãos de Deus. Em O Carteirista a metáfora está invertida: a prisão de Michel é o crime, e a liberdade dele está no cárcere. Também o processo dele é uma auto-mortificação, que, no entanto, não o leva à morte. Fontaine é o único protagonista do ciclo da prisão que não se persegue a si próprio activamente, embora os seus hábitos sejam bastante ascéticos. Nele, a liberdade do corpo coincide com a liberdade da alma, e esta singular ocorrência é resultado da graça, um tema que Bresson trata em profundidade em Fugiu um Condenado à Morte.
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Nos filmes de Bresson a graça permite ao protagonista aceitar o paradoxo da predestinação e do livre-arbítrio. Para demonstrar a ortodoxia de Bresson neste aspecto, Ayfre cita Santo Agostinho: «A liberdade da vontade não é anulada pela acção da Graça, antes é desse modo consolidada.» Todavia não é suficiente que a graça esteja presente, já que é ao homem que cabe escolher recebê-la. O homem deve escolher aquilo que lhe foi predestinado. Fontaine pode aceitar correctamente a intervenção da graça através de Jost porque, previamente, manifestou a vontade de fugir. Do mesmo modo, Joana, porque escolhe acreditar nas vozes que ouve («Como sabias que era a voz de um anjo?», é-lhe perguntado. «Porque quero acreditar», responde), pode reconhecer a graça na sua morte. No final de O Carteirista, Michel chega à aceitação da graça na pessoa de Jeanne, a quem diz através das grades: «Que estranho caminho tive de tomar para chegar a ti.» Mas a máxima afirmação da graça sai da boca do pároco rural, cujas últimas palavras antes de morrer são: «Tudo é graça.» Se se aceitar o estilo transcendental, então tudo é graça, porque apenas ela permite que o protagonista e o espectador se sintam simultaneamente presos e livres.”
Paul Schrader, 'O Estilo Transcendental no Cinema'