26 de dezembro de 2021


 

A France de Dumont, a personagem do filme, é na verdade uma personificação da France, o país, que se auto-reinventa, “que vai ao fundo e volta ao cimo”, que se renova, renasce, para no fim se quedar pela resignação e pela esperança (ou fé) nos outros e na sua reabilitação (assim como na sua), ou simplesmente pela escolha do “mal menor”. Na verdade, France diz-nos que o mundo é negro e cíclico, pessimista (como tudo a que Dumont diz respeito o é) e um grande teatro. É precisamente essa falsidade do mundo que Dumont quer mostrar, a sua artificialidade (e talvez não seja por acaso, ou mera coincidência, France ser o filme mais artificial, mais digital e mais visualmente embelezado de Dumont), dos meios de comunicação, da televisão, a mediatização e a popularização disso tudo, a forma como tudo é criado, nutrido e desenvolvido para a conquista do estrelato, da popularidade, a falta de escrúpulos e de honestidade que reina no mundo da televisão.

France é uma viagem pela descoberta interior de quem tem tudo menos o mais importante, afecto e estabilidade familiar e emocional. Ali percorrem-se caminhos de auto-descoberta, enfrenta-se uma instabilidade emocional causada por um incidente quase insignificante (oposto do que ocorrerá lá perto do final) que a levará (à estrela jornalística) a questionar a vida e o trabalho… o sucesso profissional contrasta com o insucesso familiar, mergulhado numa distância abismal entre ela e o marido e até o filho… é na perda que se valoriza… a artificialidade e falsidade por si criada e mantida na sua profissão estende-se e abarca o seu seio familiar, a comunicação é parca e quando existe é fria, distante, o vazio chega e consigo traz uma espécie de depressão e na sua reabilitação dá-se mais uma desilusão, esta com o ser humano em si… Dumont é pessimista, já o sabemos, mas aqui ele vai mais longe e mais actual que nunca, aqui fala-nos do mundo que consumimos, fala-nos da caixinha mágica e daquilo que aparentemente é o real. Grande Dumont!

25 de dezembro de 2021




In Jackson Heights do Wiseman é um grande filme, são 3 horas observacionais de multiculturalidade, de multiracialidade (principalmente a latina) e de processos quotidianos que abordam variadas questões, tendo especial incidência no cultivo do sentido de comunidade, na transsexualidade e na emergente ameaça de dissolução das pequenas e médias empresas.