O silêncio das trincheiras…
Em Torneranno i prati de Olmi somos confrontados com o silêncio ensurdecedor e abrupto e com a tranquilidade apavorante numas trincheiras da primeira guerra mundial. Olmi homenageia o seu pai e faz do silêncio um meio aterrador e angustiante para aqueles soldados italianos imersos no medo, na febre, na fome e no frio da imensidão da neve gélida que cobre todo aquele vale e aqueles montes. A elipse de toda uma guerra, de toda uma angústia e pavor aterrorizante dá-se bem naquele início ao som dum canto dum soldado esperançoso que lá para o final recusa esse mesmo canto justificando a ausência de felicidade no coração “Para cantar precisa estar feliz. E se não tem o coração feliz, ninguém te escuta.”. Olmi filma a tragicidade e a brutalidade duma guerra, incidida nas trincheiras onde o silêncio, a espera e a morte caminham lado a lado com a serenidade que assombra e atormenta a alma humana. Mais tarde virão os tiros dos canhões e dos morteiros, as mortes e o horror da guerra a interromper essa tranquilidade e o silêncio das trincheiras…
Torneranno i prati é um filme-lamento onde o silêncio faz mais barulho que o som estrondoso dos canhões e dos morteiros... as trincheiras dos austro-húngaros não estão longe mas nunca as vemos, não interessam… o filme de Olmi é uma glorificação daqueles soldados italianos entrincheirados que resistem e esperam (uns esperançosos outros resignados) pelo fim da guerra ou pela morte que os assombra naquela e noutras tantas noites. O silêncio é angustiante e Olmi filma-o quase sem cor ou numa saturação negativíssima dentro das trincheiras para lá fora filmar a serenidade do vale imerso na neve num tom azulado. Na espera, nessa noite silenciosa e serena que aterroriza a alma daqueles soldados, um major traz novas ordens, é preciso usar um posto de observação avançado e estabelecer novas comunicações pois a usada está na escuta do inimigo, é preciso voluntários mas o caminho é a descoberto…
Delírios da febre se misturam com o medo e com a angústia de quem sente a morte bem perto… a febre que assola mais de metade dos soldados, mesmo o próprio tenente que mais tarde renuncia ao cargo para recuperar a dignidade, as novas ordens são criminosas como lhe diz ao major bem cedo, são suicidas, é como enviá-los para a morte… morte que virá e assombrará o novato que fica no lugar do tenente, morte que irá pesar no sargento (“tudo é culpa minha”) que ordena a fila de homens na espera dum ataque de infantaria que não chega e ao invés os canhões e os morteiros matarão alguns daqueles soldados, morte que paira sobre todo aquele vale…
Em Torneranno i prati não há comoção, não há clímax nem nada que se pareça, há serenidade (como nos filmes de Ozu) e resignação num lamento sobre a guerra e a morte, sobre o esquecimento e a sua reflexão, sobre a angústia do momento… talvez o melhor filme que vi este ano!