28 de julho de 2010

Jeder für Sich und Gott Gegen Alle (1974)












Antes de mais, isto sim é cinema. Depois, Jeder für Sich und Gott Gegen Alle é um grande filme. Porque é mais do que um filme, é uma tese, é uma dissertação sobre as estruturas sociopsicológicas do ser humano. É uma análise sobre a sociedade e suas ramificações, uma reflexão sobre o Homem e sua natureza humana.

Ao ver Jeder für Sich und Gott Gegen Alle (em português Cada um por si e Deus Contra Todos) lembrei-me de The Elephant Man (David Lynch). Poque ambos tratam desse indivíduo disfuncional no meio social onde se inserem. Porque ambos perseguem a interacção social como indicador da formação intelectual, filosófica e cultural do indivíduo. Aqui, é a ausência dessa interacção social que condiciona e define a formação psicológica e sociocultural de Kaspar Hauser. Mas é quando Kaspar Hauser se insere na sociedade que a semelhança com o filme de Lynch é visível. Porque é na forma como a sociedade reconhece estes dois “intrusos” que os dois filmes se relacionam, porque da mesma maneira que John Merrick é visto como uma aberração, também aqui Kaspar é tratado como um ser anormal, como um jovem alienado das regras e convenções socioculturais (o que é realmente verdade mas devido ao isolamento até aí), sendo tanto um como outro motivo de atracção social face à condição a que estão sujeitos (cada um à sua). Aliás, o filme de Herzog é essencialmente um estudo sobre essa vertente da natureza humana, um questionamento sobre a identidade do indivíduo como factor determinado pela convivência social. Ou seja, e se o ser humano for desprovido de qualquer contacto social até idade relativamente avançada? Qual será o seu desenvolvimento intelectual face a essa ausência de interacção humana? Será um indivíduo tal qual o conhecemos hoje em dia? Ou desenvolverá somente as potencialidades primitivas e retrocederá aos primórdios do ser humano? E a reinserção no meio social é possível? Terá esse ser desenvolvido capacidades e habilidades intelectuais para se (re)ajustar na sociedade?

Jeder für Sich und Gott Gegen Alle é um filme cru, rude e paisagístico. Herzog, de certa forma, questiona as convenções da época (muitas delas ainda actuais), condiciona a igreja e a ciência como partes integrantes e identificadoras da sociedade e da formação intelectual e sociocultural do indivíduo. Acima de tudo, é esta vertente filosófica e sociológica que faz de Jeder für Sich und Gott Gegen Alle um grande filme. Isto sim é cinema.

5 comentários:

Unknown disse...

E um grande filme, mais uma das muitas boas obras que nos ofereceu Herzog :)
Sinceramente, sinto que é um realizador um pouco subvalorizado, o que é sempre triste de ver.

Vê o Stroszek agora ;) A melhor fábula sobre o sonho americano...

Álvaro Martins disse...

Sim, também acho que é subvalorizado. Gostei muito deste, é sem dúvida um grande grande filme.

O Stroszek está para breve, assim como o Fitzcarraldo, o Cobra Verde, o Fata Morgana e o Lebenszeichen ;)

Diogo C. disse...

Permite-me, mas não é grande coisa. É um filme que se limita a expressar um fenómeno conhecido já desde a idade média... o «menino selvagem». O Kaspar Hauser é de uns factos por aí relatados, que sobreviveram em folhas de papel, de um desses casos.

O Herzog limita-se a «plastificar» o caso, mais nada. Não há nenhuma intenção ou artíficio imaginativo.

Álvaro Martins disse...

" Não há nenhuma intenção ou artíficio imaginativo." Pois não, mas há filosófico. Já sabemos à partida que é uma história verídica, não pode aí haver grande imaginação. Como disse no fim do texto, acima de tudo, é esta vertente filosófica e sociológica que faz de Jeder für Sich und Gott Gegen Alle um grande filme.

Nelson L. Rodrigues disse...

Gostei demais do seu blog, parabens! tempos atras escrevi um ensaio sobre este filme.